09 Jan
09Jan

Por Cristiano Calegari (Co-Fundador do RESISTA).

Bolsonaro e sua turma odeiam qualquer forma de arte. Vamos começar deixando isso bem claro. E dentre as várias expressões artísticas que temos por aí, o cinema talvez seja a mais potente no quesito "fazer o espectador refletir". Nada que essa gente queira, certo? Convenhamos: quem fala em mamadeira de piroca, kit gay e ameaça comunista não espera reflexão alguma.

Através deste discurso moralista, conservador e retrógrado, boa parte da população foi convencida de que "os artistas de cinema são financiados pela Lei Rouanet". Isto pode ser assunto para outro texto -- o importante agora é entender o absurdo de tal afirmação. Sim, amigos e amigas, esta é mais uma fake news. E é mais uma que virou verdade na cabeça de alguns.

Pois bem, de onde vem, então, o financiamento do cinema brasileiro? É exatamente a este ponto que eu quero chegar: depende de qual cinema brasileiro você está falando. É o da produtora grande? Do diretor famoso? Do filho de um diretor famoso? Ou é da produtora pequena, sem grandes nomes e herdeiros? Ou ainda de autores negros, mulheres, LGBTs? É o cinema feito na Barra da Tijuca ou no sertão do Piauí?

Não podemos cometer o equívoco de acreditar que todos os profissionais do audiovisual brasileiro estão no mesmo barco porque, sinto informar, nós não estamos.

Já que entramos no assunto "dinheiro", vale ressaltar que o cinema, naturalmente, é uma arte cara -- que pode dar retorno financeiro ou simplesmente contribuir para a cultura local. E dentro dessa gama de altos orçamentos, a noção de "barato" talvez esteja um pouco distorcida na mente dos que se acostumaram a captar milhões de reais.

Por exemplo, vejamos dois longas-metragens nacionais: um custou um milhão e meio, o outro cerca de cem mil reais. Ambos são considerados "Baixo Orçamento". Um contou com recursos do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), outro apenas com investimentos diretos. Entretanto, para a imprensa, os dois são igualmente rotulados como "baratos".

Antes que eu seja mal interpretado, o FSA representa um montante de impostos oriundos do próprio setor audiovisual, e que deve permanecer sendo reinvestido no setor -- sem ser remanejado para outras áreas, como o desgoverno atual sugere.

Defendo fortemente a continuidade da Ancine e do FSA mas, sendo sincero: como pequeno produtor, ambos não foram generosos conosco até aqui. É claro que as grandes produtoras de São Paulo e Rio de Janeiro têm motivos para estarem preocupadas com a situação atual, afinal, elas tem muito a perder. Nós, os pequenos produtores e jovens autores, nunca tivemos um lugar à mesa. Portanto, não é agora que seremos ouvidos.

Qualquer forma de resistência ao desmonte da nossa cultura tem seu valor, mas a verdade é que nossas lutas são distintas. Os nomes consolidados do cinema nacional podem estar perdendo uma fonte de recursos que até então era praticamente garantida. Contudo, essas pessoas são as que conseguem ter acesso aos grandes players, como Netflix e Globo. Então, sabemos que elas ficarão bem a princípio.

Já as pequenas produtoras, bem, são essas que estão fechando as portas, não são? Os corajosos e corajosas que se matam para produzir filme sem grana -- aqui, não falo de amadorismo, e sim de obras que conseguem vendas para TV, VOD e, às vezes, chegam aos cinemas -- e esperavam "subir de nível" perante a Ancine , ou seja, serem contemplados pelo FSA em seus próximos projetos, esses podem esquecer.

Se as grandes passam por dificuldades, as pequenas não têm outra escolha a não ser unir forças. Caso contrário, o mesmo destino nos espera: o desaparecimento.

Menos empresas, menos empregos, muita mão de obra sobrando, poucas vagas disponíveis: o cenário é cada vez pior para todos os diferentes cinemas brasileiros. Então, seja lá qual for sua situação -- se está ameaçado de perder uma condição privilegiada, ou se está sendo impedido de crescer no mercado, vamos juntos, mas conscientes das nossas diferenças.

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